O Inverno...

Sei que já chegou há alguns dias, mais concretamente no dia 21...e apesar de tarde, não gostaríamos de deixar passar a sua data em branco...

Recordo-me que andava eu na escola, e esperava ansiosamente que os meus professores da primária, nos fizessem recitar a «Balada da Neve», que era um dos meus poemas favoritos...

Não sei porque fiz dele o meu  preferido...

Talvez o mistério que lhe esta intrínseco e que me fazia percorrê-lo quase até ao final, mesmo antes de o ler só para descobrir quem eram as personagens principais deste poema...tenha sido o causador...

E um sorriso eu esboçava sempre que ouvia as palavras rimar...

E com as palavras, ditas num tom terno com que só as crianças sabem entoar, surgia o entendimento e o porquê de gostar tanto dele...

Não porque fala de inverno...

Não porque fala de neve a cair...

Mas simplesmente porque em cada um dos versos

Está implícito a palavra SENTIR...

BALADA DA NEVE de Augusto Gil

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.