A LUA SENTE-SE MAL-AMADA
Naquela
noite, a lua levantou-se mal disposta. Pôs as mãos nas ancas redondas e
protestou:
— Chega!
Já chega! Estou faaaaaarta!!!!
Choramingou
tanto, tanto, que acabou por acordar a Noite, que dormia com as mãozinhas
fechadas como um bebé.
— Que
algazarra! — disse a Noite escura bocejando. — Se continuas
com isso, em vez de ajudares as crianças a adormecer, vais acabar por
acordá-las! Mas, se virmos bem, quando estás aconchegada no meu grande casaco
azul, o teu trabalho é muito agradável: vês como vai o mundo e se as crianças
se portam bem, deitadas nas suas cam inhas.
A Lua baixou
os olhos tristemente.
— Estou
farta de que não gostem de mim. Todas as atenções vão para o Sol! Quando ele
nasce, toda a gente exclama: “Olha o Sol! Traz vida nova!” Mas quando tu fazes
descer o teu grande casaco azul e eu apareço…
— Sim,
o que acontece? — perguntou a Noite, encolhendo os ombros.
— Acontece
que não é a mesma coisa. Nem me dizem boa noite!
A Noite
aclarou a garganta.
— Talvez
os adultos te esqueçam, mas as crianças, essas, recebem-te como se fosses uma
princesa! Quando chegas, elas exclamam: “Olha! A Lua! É a Lua!”
E têm
estrelas nos olhos.
— Oooooh….
— suspirou a Lua, que, decididamente, naquela noite não tinha vontade de
brilhar. — Em certos dias do mês, certos dias horríveis em que estou
bem cheia, elas confundem-me com… com…
A Lua pálida
corou de vergonha.
— Com o
quê? — perguntou a Noite.
— Com
um candeeiro! Sim, é verdade! Já aconteceu!
— São
simpáticos, os candeeiros — comentou a Noite. — Iluminam os
passeios. Aquecem o coração.
A Lua
suspirou.
— Mas
eu sou bem mais alta do que um candeeiro. Ai, ai! Ao Sol, a esse nunca o
confundiriam com uma lâmpada de cabeceira!
E a Lua
continuava a choramingar.
— Ninguém
sabe o quanto eu trabalho… As próprias crianças pensam que não sirvo para nada.
Olha os desenhos delas: só tenho direito ao cantinho da folha, à direita. Quase
fico de fora. E o que é que estou sempre a fazer nesses desenhos, és capaz de
me dizer? — protestou ela. — Durmo! Desenham-me com os
olhos fechados, a bocejar. Enquanto o Sol, esse, tem um riso de orelha a orelha
e os olhos muito abertos. Mas — acrescentou a Lua, franzindo o sobrolho — os
meus olhos nunca se fecham totalmente! Olho por todas as crianças que dormem. E
disso, ninguém suspeita! Por vezes — murmurou ela — chego
até a fazer-lhes uma pequenina carícia. Eles sentem uma comichãozinha na testa
e não imaginam que sou eu!
A Noite
ouvia atentamente.
— Também
a mim me veem sempre a dormir. Diz-se “Nasce o dia” e “Cai a noite”, como se eu
caísse em algum buraco. Mas não é verdade! Eu não “caio” em cima do mundo. Sou
muitíssimo útil. Sem mim, as pessoas esgotariam as forças a correr ao longo do
dia, sem parar nem um segundo. A vida parecer-se-ia com uma corrida
contrarrelógio, e, no final dessa corrida, cairiam exaustas no chão e nunca
mais poderiam levantar-se. Enquanto, graças a mim (e a Noite inchou o peito),
as pessoas recuperam energia durante a noite e podem de novo brincar e
divertir-se no dia seguinte!
— Não
há ninguém como eu — realçou a Lua — para fazer crescer as
flores, as sementes e também as crianças! Eu protejo-as, embalo-as, e é durante
o sono que elas crescem.
A Noite
prosseguiu:
— É
verdade. Nada para durante a noite. Tudo continua, baixinho, em surdina. O
sangue que circula nas veias, as flores que continuam a respirar, as borboletas
que batem as asas…
A Lua abanou
a sua grande cabeça redonda.
— Por
que é que as crianças protestam no momento de irem para a cama? Como é
humilhante! Por vezes, ouço-as dizer: “Não, mamã! Para a cama não, detesto ter
de ir para a cama!”
E ela fixou
o horizonte com tristeza.
— Aqueles
momentos são de partir o coração, sinto-me tão triste que tenho vontade de
entrar num grande buraco negro e de não voltar a sair… mas não o faço. O que
diriam as crianças se, um dia, não me vissem aparecer?
A Lua
calou-se e a Noite calou-se também. O silêncio invadiu o céu. Mas ambas sonhavam
com um dia próximo, em que as crianças lhes reservassem um belo lugar nos seus
desenhos. Naquele dia, as crianças diriam: “Que bom! São horas de ir para a
cama! Depressa, mamã! Quero ouvir a minha amiga Lua a murmurar-me ao ouvido uma
canção de embalar…”
E a Lua e a
Noite sorriam no grande céu azul, pensando nesse dia feliz em que as crianças
iriam saborear a doçura da Noite e o calor da Lua.
Sophie Carquain
Petites histoires pour devenir
grand
Paris, Albin Michel, 2003
(Tradução e adaptação)
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